Ontem foi um dia triste, muito triste.
O Bretão adormeceu para sempre. A verdade é que a idade já pesava e, com o seus 35 anos, já tinha ultrapassado largamente a esperança de vida de uma cavalo. Se tentássemos fazer uma correspondência com a idade humana, estaríamos a falar de uns cento E TAL anos.
Ele foi cavalo de corridas e de toureio, e foi comprado pelos meus pais salvando um cavalo verdadeiramente especial de uma vida de ser um cavalo de ensino, montado por gente de vários tipos, vários pesos, várias educações, enfim.
A minha mãe é uma exímia cavaleira e, juntos, viveram grandes aventuras em passeios na Golegã, por exemplo.
Mas nós não somos pessoas normais....
Evento: Passeio Anual dos Romeiros de São Martinho, Golegã
Participantes: Dezenas de Cavalos e Cavaleiros trajados a rigor
Percurso: Pelos campos pintados de vermelho de tanta papoila
Destino: Uma quinta (não me lembro o nome, talvez São Caetano, onde o convívio iria saber a Porco no Espeto e outras iguarias.
O encontro seria no Arneiro e, na hora combinada, lá seguiria a caravana calma e tranquilamente, a conversar, fofocar, rir, desfrutando de um bom e relaxado período....menos o Bretão, esse não poderia ir relaxado nem tranquilamente, cavalo com espírito de competição, que já tendo participado em corridas e tendo sido, noutra gerência também cavalo de toureio tudo para ele era competição e tinha que ser ele SEMPRE o primeiro da fila. E lá seguia ele, já com alguma idade, mas deixando para trás muito potro novinho.
O passeio era longo (para mim era tranquilo que seguia atrás...de jipe...passando pelo cagádos todos...hummmm...a natureza...) e os cavalos quando chegavam ao destino iam bastante suados, cansados e com fome.
Se havia cavaleiros, que para mim não são dignos desse nome, que deixavam os bichos de freio e bridão, sem comer, sem beber, ao sol, sequer se preocupando se deixavam cavalos inteiros junto a éguas (o que originou alguns acidentes) nós não, o Bretão não era tratado dessa forma.
No meu jipe eu levava, o cabeção do Bretão, para tirar o freio e o bridão, a comida, a vasilha para ele beber água, uma toalha para lhe dar uma refrescadela, tirávamos-lhe a sela e prendia-mo-lo num local seguro e à sombra.
Quando íamos almoçar, já do porco no espeto restavam os ossos e o espeto, mas no meu jipe também ia o nosso cesto de pic-nic cheio de coisas boas.
Acho que lhe proporcionamos uma vida digna, cheia de conforto e mimos. Nunca o deixamos para segundo plano e, custasse o que custasse, horas de sono, fins de semana fora, comida de qualidade, nunca lhe falhamos.
Há uns anos que já ninguém o montava porque já achávamos que estava velhinho demais para isso.
Vivia à solta no campo, dormia na sua box cheia de fitas secas e muita palha. Todos os dias, duas vezes por dia, íamos lá dar a ração e abastecer de palha e água e dar mimos.
Todos os dias ele via o mar!
Ontem já não viu, quando a minha mãe lá chegou às 7h ele não se levantava...e já nada houve a fazer por ele.
O veterinário foi chamado e disse que, com a idade dele, e pela forma que reagiu a um dos medicamentos, já era a hora dele.
A verdade, é que acho que ele esperou pela minha mãe para se despedir dela, a ligação entre eles era mais que especial, era única. Ele amuava com ela quando ela não o ia ver todos os dias; ele andava ao lado da minha mãe sem que fossem preciso cordas, ele sentia quando ela estava mais em baixo e mordiscava-lhe o cabelo e o casaco.
O resto da família nutria, e nutre, também um sentimento especial pelo Bretão, ele não era só um cavalo, ele era um de nós!
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
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